(Resenha) Duas Vidas: Encontro

Duas Vidas: Encontro é uma dessas coisas maravilhosas que a atual literatura nacional tem produzido. Existem livros que a gente lê, e esquece; e existem livros que te fazem viajar e entram na tua corrente sanguínea. Duas Vidas é da segunda categoria.


“Isabel é independente, despachada, não sabe se acredita em Deus e tem uma boca muito suja. O tipo de mulher que Rogério sempre desprezou; Rogério é o típico bom-moço, evangélico, de família, e até um tanto machista. O tipo de homem que Isabel nunca respeitou.
Mesmo com tantas diferenças, a cada passo que davam na direção contrária do outro, as forças invisíveis do destino os empurrava de volta."

Momento confissão: Vou confessar que estou com esse livro há quase um ano e eu tava com um pouquinho de medo de ler.

Por quê?

Porque aqui no blog a gente lê de tudo, mas não é obrigado a gostar de tudo o que lê, e a escritora desse romance é, não só minha conhecida, mas uma amiga. Então tem aquele momento tenso em que você olha para a capa da coisa e pensa: e se for ruim? E se for, tipo, muito ruim? O que eu faço?

Alguns dos leitores do blog também a conhecem: em tempos mais felizes ela já escreveu para o LeVo: B. Pellizzer é o nome literário da Betti Ferreira. Um deles, pelo menos.

O que eu sempre gostei na Betti é que ela é escritora por profissão, não se considera uma artista das letras, ela escreve e encara isso como um trabalho e, como com qualquer trabalho, faz com profissionalismo, então eu nunca tive problema para criticar o trabalho dela, quando solicitado exceto com este título, porque, desde a primeira vez que ela me falou sobre Duas Vidas, era como se estivesse falando de um filho, e por isso, meu medo sobre esse trabalho específico.

Então ontem foi meu primeiro dia de férias no meu trabalho remunerado (surpresa: blogs não enchem barriga!) e eu pensei: “Seja homem, Sônia!”.
Liguei meu tablet e…
….
...

Bem, a versão física de Duas Vidas tem 615 páginas e eu estou aqui digitando a resenha menos de vinte e quatro horas depois de iniciar a leitura. Tirem sua próprias conclusões.

Eu comi com o tablet na mão.

Eu fui ao banheiro com o tablet na mão.

Eu li enquanto a bateria recarregava.

O pouco que dormi eu sonhei com Isabel e Rogério, então eu tomei o café da manhã com o tablet na mão.

Vou até inaugurar uma seção nova aqui no LeVo chamada Ressaca Literária que é praqueles livros, como Duas Vidas, que continuam na gente depois que a gente termina. Eu estou com uma saudade tão grande dos personagens que é como seu eu os conhecesse pessoalmente e eles fossem meus melhores amigos. Você, viciado em livros, sabe do que eu tô falando, não sabe?

A sinopse que tá no começo da resenha, eu tirei da página do livro na Amazon. Não diz muita coisa e não chega a empolgar, né? Então deixa eu falar mais dessa história:
Isabel é uma daquelas moças populares que está sempre alegre e que tem um monte de amigos homens, sabe o tipo? Ela tá acostumada a ser livre, conversar com quem quiser, gosta de um palavrão, e é dona do próprio nariz.

Rogério é aquele crente certinho. Vai à igreja todas as semanas, ora antes de dormir e em todas as refeições, espera que a mulher escolhida por ele para ser sua esposa seja bela, recatada e do lar (Marcela Temer’s vibe), e totalmente submissa às vontades do marido.

Ela queria ser livre; ele não tinha a menor ideia de como viver sem estar preso a algum compromisso.

Ela terminou um noivado três dias antes do casamento e foi até uma discoteca pra se divertir. Tinha prometido a si mesma não namorar por um bom tempo (famosas últimas palavras); Ele tinha a mesma namorada há quatro anos e estava sendo pressionado a se casar, mas  não queria se casar com uma namorada com quem tinha estado toda a vida sem saber o que mais o mundo tinha a o oferecer então, escondido do família, foi à mesma discoteca que Isabel.

Os dois se conheceram  sob nomes falsos, ficaram (ela contrariando a si mesma, e ele traindo a namorada – não o julguem, crente também peca, gente) e não mais se falaram porque ela deu um número de telefone falso pra ele. A história é ambientada no final da década de 1990 e, naquela época, as pessoas dependiam dessa coisas quase obsoleta chamada telefone pra se comunicar.

Com o passar dos dias, Isabel, sem conseguir tirar Rogério da cabeça, resolveu visitar uma igreja evangélica em companhia de seu melhor amigo Franklin (uma figuraaaaça, vocês não acreditam!) e conheceu Rodrigo que, ela não sabia, era irmão de Rogério. Algumas semanas depois, Isabel e Rodrigo começam a namorar até que chega o momento inevitável do reencontro.

A história toda é escrita em segunda pessoa, ou seja, o livro conversa com você. É uma narrativa diferente do que a gente está acostumado, e eu adorei o estilo, mesmo que, às vezes, tenha sentido uma raiva secreta do autor. Explico: o recurso de conversar com o leitor é divertido e pouco usado, e faz você ficar concentrado na leitura mas, em algumas cenas, você tá lá, viajando legal na imagem que construiu na cabeça, e, de repente, o narrador para tudo pra te perguntar alguma coisa. A imagem congela, tudo para, e você se concentra no narrador. Meio como quando o teu filho te pede pra levar ele no banheiro na exata hora em que a mocinha vai ser esfaqueada pelo monstro nos filmes de terror.
 

Religiosidade x Religião x Preconceito

Por se tratar de uma história de amor entre alguém que declara não ter certeza se acredita em Deus e um evangélico convicto, é claro que a fé e a doutrinação são abordadas na história. Mas tudo é feito de forma tão leve que a gente nem percebe a importância das questões que estão sendo discutidas ali e, não foi só uma vez que a questão sobre o que conta mais:  ter fé, ou se empenhar nas obras e no amor ao próximo, foi abordada, mas não se preocupe, o livro não responde essa pergunta.

Com um narrador que não se identifica, e que conversa com quem está lendo a história, a única preocupação do autor é contar os fatos. Não há julgamentos.

Então assuntos como o namoro por conveniência que existe dentro das igrejas evangélicas; a doutrinação passiva de alguns fieis; o modo de vida daqueles que não acreditam em Deus; a incerteza de que uma pessoa pode ser boa mesmo sem acreditar em Deus; a mediunidade; o sexo antes do casamento; todos esses assuntos aparecem no decorrer da história e a gente vai mergulhando  naquilo sem perceber. Teve até uma viagem astral na história e, eu finalmente aprendi quem foi Jezebel além de ganhar algum respeito pelos evangélicos (sim, gente, eu sou daquelas que não entende evangélico, me processem), mas a história mergulhou tão fundo nas motivações e no amor por Cristo dos Evangélicos que eu meio que entendi muita coisa.
 

O que o livro tem de muito bom

Todos os personagens têm empregos normais e estudam.
Gente com horário; com compromisso, que usa o banheiro e que precisa pagar as contas no final do mês; não sei o que vocês acham, mas eu tenho andado meio saturada de tantos CEO’s e milionários nesses romances.
Isabel é secretária de médico (no começo da história) e Rogério é policial rodoviário, o Franklin é professor, o Rodrigo, bombeiro. Enfim, gente normal. Faz a coisa toda parecer ainda mais real.

A história é extensa, mas não é vã.
Como vou explicar? Bom… não tem verborragia, nem descrições detalhadas sobre lugares nem nada disso. É quase que cem por cento ação entre os personagens. Até, tenho que fazer um parênteses nessa coisa de descrição detalhada: B. Pellizzer é bem econômica com descrições. Se tem uma casa, é uma casa amarela com janelas brancas e isso deixa a gente livre pra imaginar a casa do jeito que der vontade, o mesmo ela faz com os personagens. Demorou algumas páginas até eu descobrir que Isabel tem cabelos negros, enrolados e peitos grandes porque, ao invés de focar no físico dos personagens, ela foca na personalidade, e eu acho que é por isso que eles são tão apaixonantes.

Depois de um tempo é como se você conhecesse os personagens.
Como se fossem seus amigos. Lá pelo meio do segundo capítulo eu já queria que Isabel fosse minha melhor amiga, já começava a rir só de pensar no Franklin, queria ter alguém como a Cláudia na minha vida e, na torcida entre os dois irmãos, eu confesso, fui mais o Rodrigo.

Não tem Pretérito-mais-que-perfeito.
Me irrita. Me julguem. Não parece natural.
Fulano nunca fizera questão de saber daquelas coisas… quem é que fala assim, gente?
A gente fala: fulano nunca quis saber daquelas coisas; ou fulano nunca fez questão de saber das coisas;  e tem até o famoso “tinha feito” que fica muito melhor do que fizera. Sei lá… implicância ou TOC, tanto faz. Me incomoda. Até porque a rega é clara: se escolher um tempo de conjugação verbal, deve se manter nele, e quem aguenta coisas como: “Parecera a ele que muitas horas tinham se passado desde que ele ousara olhar para a moça, que não percebera, no ato, a olhadela furtiva!”

As cenas de sexo.

Não é um livro hot, mas se você é maior de idade e namora, você transa, e não tem como contar uma história de amor sem ter algum sexo.
Quero aproveitar o ensejo e anunciar, em primeira mão, uma coisa que a B. Pellizzer me contou depois que eu liguei pra elogiar o livro: Duas Vidas era, originalmente, para ser um livro Hot, mas a história cresceu, a conquistou, e, no meio da caminho ela mudou tudo o que o deixou com o dobro do tamanho que tem hoje, então, logo, será lançada a versão SEM CORTES da história, só pra maiores.

Fica a dica pra quem curte um hot com conteúdo.

Ah Sônia, só quero ler a versão sem cortes, como vou saber se ela já lançou?

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O que dá raiva na história

Essa era pra ser a seção: o que não é tão bom, mas, não vou mentir não, achei tudo bom no livro. Só teve uma coisa que me deixou muito puteada, e isso também foi bom, porque mexeu comigo (livros são pra isso, não são?)
Sim, livros são para mexer com a gente e fazer a gente pensar e até fazer eu ficar com as caras que eu fiz quando li o final.
 

P#ta qui os p@ri#.

Quando eu li a última página eu fiquei tipo
 
Daí eu fiquei meio:


E finalmente:
 



Se eu pudesse ir até Santa Catarina sem medo de trincar a tela do meu tablet eu tinha acertado a cabeça da escritora.

B. Pellizzer, minha filha, como você teve coragem?

Lamentando o final ou não, O Leitor Voraz recomenda e recomenda muito.

Disponível na Amazon. Quem tem Kindle Unlimited pode ler de graça. E, pra quem não sabe, não é preciso ter um Kindle para ler e-books da Amazon, basta instalar o app em qualquer celular, tablet ou computador.

Para os amantes de livros impressos, a versão física também está a venda na Amazon, no mesmo link, mas se quiser mais barato, também pode comprar a versão impressa pelo Clube dos Autores.

Dica do LeVo:


Comece a ler num sábado, ou véspera de feriado, ou em qualquer dia que você saiba que não vai precisar levantar cedo porque vai ser muito difícil conseguir parar de ler.


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